terça-feira, 10 de maio de 2011

STJ adota método bifásico e aumenta reparação por dano moral






O STJ determinou pagamento de 500 salários mínimos, o equivalente a R$ 272,5 mil atualmente, como compensação por danos morais à família de uma mulher morta em atropelamento. O acidente aconteceu no município de Serra (ES). A decisão da 3ª Turma, unânime, adotou os critérios para arbitramento de valor propostos pelo ministro gaúcho Paulo de Tarso Vieira Sanseverino, relator do caso.
O motorista estava dirigindo em velocidade incompatível com a via, trafegando a 66 km/h, velocidade acima da permitida para o local (40 km/h) e deixou de prestar socorro à vítima após o atropelamento. Ela tinha 43 anos e deixou o esposo e quatro filhos, sendo um deles judicialmente interditado.
Em primeira instância, o pedido de reparação por danos materiais e morais, feito pela família da vítima, foi julgado improcedente por falta de provas de que o acidente tivesse acontecido exclusivamente por conta do motorista. A família recorreu ao TJ do Espírito Santo, que determinou indenização por danos morais de R$ 10 mil.
Ao analisar recurso apresentado pela família ao STJ, o ministro Paulo de Tarso Sanseverino observou a diferença entre o valor determinado pelo tribunal estadual e o valor que tem sido considerado razoável pela Corte. Ele destacou que o estabelecimento de critérios objetivos para o arbitramento do valor da reparação por danos extrapatrimoniais é “um dos problemas mais delicados da prática forense na atualidade”.
O voto está fundamentado no método bifásico, que analisa dois critérios principais: a) o bem jurídico lesado; b) rcunstâncias relatadas no processo. Em conformidade com a média dos valores estabelecidos em precedentes semelhantes, considerando a morte da vítima após o atropelamento, o relator fixou a base da indenização em 400 salários mínimos. Posteriormente, ele acrescentou 100 salários mínimos ao valor definitivo, considerando as particularidades do caso em julgamento.
Segundo Sanseverino, ”o objetivo do método bifásico é estabelecer um ponto de equilíbrio entre o interesse jurídico lesado e as peculiaridades do caso, de forma que o arbitramento seja equitativo”. Segundo o ministro ”este é o método é o mais adequado para a quantificação da compensação por danos morais em casos de morte, atendendo às exigências de um arbitramento equitativo da indenização por danos extrapatrimoniais”.
Pelo método bifásico, fixa-se inicialmente o valor básico da indenização, levando em conta a jurisprudência sobre casos de lesão ao mesmo interesse jurídico. Assim, explicou o ministro, assegura-se “uma razoável igualdade de tratamento para casos semelhantes”. Em seguida, o julgador chega à indenização definitiva ajustando o valor básico para mais ou para menos, conforme as circunstâncias específicas do caso.
Na opinião do relator, “cada caso apresenta particularidades próprias e variáveis importantes, como a gravidade do fato em si, a culpabilidade do autor do dano, a intensidade do sofrimento das vítimas por ricochete [dano moral reflexo ou indireto], o número de autores e a situação sócio-econômica do responsável”. Para ele, esses elementos devem ser considerados na definição do valor da indenização.
O ministro lembrou os estudos para elaboração de sua tese de doutorado na Faculdade de Direito da UFRGS, ocasião em que pesquisou a jurisprudência do STJ sobre indenização por danos extrapatrimoniais envolvendo morte. Foram examinados mais de 150 processos julgados pela corte especial ao longo de dez anos. (REsp nº 959780 – com informações do STJ


FONTE:  http://www.swainstock.webreside.net/?p=1030

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Mesmo sem concurso, médico será indenizado pelo Estado por não receber salário


O médico trabalhou quase dois anos para o Estado sem receber salários ou outro tipo de remuneração

Fonte | TST - Segunda Feira, 09 de Maio de 2011




O Estado de Santa Catarina foi condenado pela Justiça do Trabalho a pagar R$ 18 mil de indenização por dano moral a um médico que alegava ter sido vítima de situação vexatória, depois de ter trabalhado um ano e nove meses sem ter recebido qualquer remuneração. Embora a contratação sem concurso público seja considerada nula, o entendimento foi o de que, diante da comprovação do dano, a indenização era devida. A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho não conheceu do recurso do Estado contra a condenação, pois não verificou, na decisão, contrariedade à jurisprudência.

O médico trabalhou quase dois anos para o Estado sem receber salários ou outro tipo de remuneração. Durante esse tempo, tornou-se médico credenciado de uma empresa de plano de saúde, mas para isso teve de pagar uma espécie de “cota de ingresso”, com parcelas fixas no valor de R$ 1.800, durante dez meses. Sem receber do Estado, e com contas a pagar, quem o socorria era a mãe, porque ele não tinha recursos para sua subsistência e para viabilizar o exercício profissional, o que comprovou com extratos de cartão de crédito e boletos de pagamento das cotas. Tal situação, segundo a defesa, causou-lhe constrangimentos e vexames, fazendo-o experimentar sentimentos de desconforto e angústia.

Por outro lado, o Estado alegava que a contratação era nula, pois não houve concurso público, cabendo-lhe apenas arcar com salários e FGTS, conforme determina a Súmula 363 do TST. Contudo, o Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (SC) entendeu não haver contrariedade à súmula, e que, mesmo sendo reconhecida a nulidade de contrato, o médico deveria ser indenizado, pois “o dano moral traduz hipótese de reparação de prejuízo pessoal, e não meramente contratual”.

A Terceira Turma, sob a relatoria do ministro Alberto Luis Bresciani de Fontan Pereira, rejeitou por unanimidade o recurso contra a decisão do TRT12. O ministro reiterou que a súmula do TST que trata da nulidade da contratação sem concurso não foi contrariada, porque ela se refere exclusivamente a direitos trabalhistas, e não a dano moral. Lembrou, ainda, que, de modo geral, a declaração de nulidade do contrato de trabalho, por si só, não gera o dever de indenização por dano moral. Porém, se ficar demonstrado algum tipo de conduta lesiva por parte do Estado a direito particular do trabalhador, o TST tem acolhido a pretensão indenizatória em casos de contrato nulo.

RR 216285-89.2007.5.12.0031

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Estado não perde com cessão de herança


Com a partilha, cessa o estado de indivisão da herança e o herdeiro passa a ser titular das coisas a ele atribuídas, com efeito retroativo à morte do inventariado. Até então, a parcela da herança transferida ao herdeiro desde a abertura da sucessão, por força da saisine, era expressa em fração ideal no conjunto de bens do monte.[1]
O herdeiro, após a sentença homologatória da partilha, assume, com efeito retrooperante[2], os bens que lhe tocarem. Atinge-se, desse modo, o estado processual em que cessa o estado pro indiviso da herança.
Realmente, a universalidade do patrimônio desaparece e os herdeiros, legatários ou inventariantes tornam-se proprietários em sentido mais amplo.[3]
Transitada em julgado a sentença da partilha, os herdeiros recebem o chamado formal de partilha, documento judicial lavrado pelo escrivão e assinado pelo juiz, em que consta uma reprodução sucinta do processo de inventário.[4] O formal de partilha deve ser transcrito no registro da sede do imóvel, para propiciar dois efeitos, quais sejam, dar publicidade à translação da propriedade, desde a morte do inventariado, ao herdeiro, e conservar a seriação dominial. O herdeiro firma-se proprietário dos bens que recebeu em decorrência da sucessão hereditáriacausa mortis.
A translação da propriedade, como acima pontuada, é tributada pelos Estados. Com efeito, a sucessão hereditária causa mortis é fato gerador principal do imposto sobre transmissão causa mortis e doação de quaisquer bens ou direitos (ITCD).
Esse tributo também incide sobre a partilha decorrente de ato de última vontade, instituição de usufruto testamentário sobre bens imóveis e sua extinção, por falecimento do usufrutuário e doação e da cessão, renúncia ou desistência de direitos relativos às transmissões de que tratam os incisos anteriores, em favor de pessoa determinada.[5]
A alíquota do imposto de transmissão causa mortis, já sumulou o Supremo Tribunal Federal[6], é aquela vigente ao tempo da abertura da sucessão, ou seja, da morte do autor da herança. A alíquota do imposto causa mortis varia conforme cada Estado da Federação, no Estado de Mato Grosso ela varia de 2% a 4% a depender do valor da transação[7].
Inscrito o formal de partilha no registro cartorário competente, cessa o estado de comunhão e o herdeiro-proprietário pode livremente usar, gozar e dispor da coisa que receber, pois esses são direitos inerentes à propriedade.
Além disso, é facultado ao herdeiro vender, por ato entre vivos oneroso, o imóvel que antes compunha a herança. Essa forma de aquisição da propriedade é tributada pelos municípios.[8]
Dessa feita, na sucessão hereditária pela morte do autor da herança, incide o imposto causa mortis e, ultimada a partilha, incidirá o imposto de transmissãointer vivos de bens imóveis e dos direitos a eles relativos. O herdeiro convola-se na figura de proprietário pleno do bem que recebeu em herança, podendo até mesmo praticar o ato de disposição da venda.
Na primeira operação (transmissão dos direitos hereditários causa mortis), o herdeiro é contribuinte do imposto incidente sobre a sucessão causa mortis. Já na transmissão onerosa, por ato inter vivos, da propriedade de bens imóveis é contribuinte o adquirente, erigindo-se o transmitente à qualidade de responsável solidário pelo recolhimento do tributo.
Assim, o herdeiro, contribuinte do imposto causa mortis, pode, por força da lei, ter de honrar, ainda, o pagamento do tributo em decorrência da transmissão onerosa, por ato inter vivos, da propriedade de bens imóveis, porquanto é responsável solidário do recolhimento desse tributo[9]. Aplicando-se, à hipótese, as alíquotas desses tributos no Estado do Mato Grosso, a operação poderia ser tributada, em sua totalidade, à base de 6%, considerando que a alíquota do ITCD varia de 2% a 4% e a do ITBI representa 2%[10].
E mais: ainda que se imagine que o imposto sobre a transmissão onerosa, por ato inter vivos, da propriedade de bens imóveis será saldado pelo adquirente, patente a carga tributária imposta sobre o sucessor causa mortis, em razão da elevada alíquota a que está submetido na transmissão de bens e direitos em decorrência da morte do inventariado. A cessão de direitos hereditários representa, então, alternativa à redução do ônus fiscal.
A cessão de direitos hereditários consiste na alienação que o herdeiro faz de seu direito e ação à herança, figurando o cessionário em seu lugar no inventário e recebendo, na partilha, o quinhão adquirido do herdeiro-cedente ou, ainda, adjudicando os bens da herança.[11]
Como já se observou, anexado ao inventário o instrumento da cessão, o cessionário torna-se parte legítima para todos os trâmites sequentes do processo, sem que se proceda à retificação do termo de inventariante. Na partilha será contemplado cessionário, tirando-se, em seu nome, o pagamento que caberia ao herdeiro cedente.
A cessão dos direitos hereditários, quando celebrada de forma onerosa e destinada à transmissão da propriedade de bens imóveis, constitui fato gerador do ITBI. Nesse sentido, Euclides de Oliveira e Sebastião Amorim:
Seu fato gerador a transferência de propriedade ou domínio útil, a título oneroso compreende os casos de compra e venda, dação em pagamento, permuta, aquisição por usucapião, cessão de direitos de bens imóveis (inclusive direitos hereditários), partilha diferenciada com reposição de dinheiro referente a imóveis, adjudicação, arrematação, remissão etc.[12]
O cessionário é o contribuinte do imposto e o cedente ocupa o lugar do responsável solidário pelo recolhimento do tributo devido na operação.
Finalizada a cessão da herança, o cedente nada mais tem com o monte partível e, principalmente, transfere para o cessionário o ônus da tributação pela sucessão causa mortis. Relembre-se que, anexado ao inventário o instrumento da cessão, o cessionário passa a ocupar o lugar do cedente, tornando-se parte legítima para todos os trâmites sequentes do processo de inventário. Aliás, é salutar consignar, mais uma vez, que, na partilha, será contemplado o cessionário e, em nome deste, é efetuado o pagamento que caberia ao herdeiro-cedente.
Cite-se a posição firmada, com louvor, por Caio Mário da Silva Pereira:
Embora os bens, que a compõem, ainda não estejam individualizados e discriminados no quinhão do herdeiro, constitui a herança, em si mesma, um valor patrimonial e, como tal, pode ser transmitido inter vivos. A cessão, gratuita ou onerosa, importa na transmissão de toda a herança ou parte dela, de todo o quinhão do herdeiro, ou parte [...]. E o cessionário assume, em relação aos direitos hereditários a mesma condição jurídica do cedente.[13]
Euclides de Oliveira e Sebastião Amorim, analisando a tributação no inventário e partilha, estabelecem exata relação do imposto sobre a transmissão onerosa, por ato inter vivos, da propriedade de bens imóveis. Confira-se:
Compreende-se na incidência do imposto inter vivos o valor dos imóveis que, na partilha, forem atribuídos ao cônjuge supérstite, a qualquer herdeiro, legatário ou cessionário, acima da respectiva meação ou quinhão. [...] É igualmente tributável a cessão de direitos à sucessão aberta, aí abrangendo as cessões celebradas por escritura pública [...][14]
Assim, evidente a economia fiscal que a cessão da herança representa para o cedente, especialmente porque este sofrerá, quando muito, a tributação do imposto de transmissão inter vivos. A qualidade de contribuinte do ITCD, pela sucessão causa mortis, é transferida ao cessionário, que passa a ocupar a posição do cedente no processo de inventário.
Sob essa vertente, anote-se que, o Estado, na hipótese, não perde sua arrecadação fiscal, pois, com a cessão dos direitos hereditários, o ônus tributário é simplesmente transferido do cedente para o cessionário, sem qualquer redução no valor que deve ser recolhido a título de imposto.
Bibliografia
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. (Coleção de direito civil, v. 6).
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 20. ed. São Paulo: Malheiros, 2002.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. (Coleção de direito civil, v. 6).
OLIVEIRA, Euclides Benedito de; AMORIM, Sebastião Luiz. Inventários e partilhas: direitos das sucessões. São Paulo: Livraria e Editora Universitária de Direito, 2003.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Direito das Sucessões. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003. (Coleção de direito civil, v. 7).

[1] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 221. (Coleção de direito civil, v. 6).
[2] Expressão utilizada por Caio Mário da Silva Pereira, para dizer que os efeitos da sentença homologatória discriminação dos bens (partilha) retroagem à data do óbito, com abstração do tempo intermédio. Cf. PEREIRA, Caio Mário da Silva.Instituições de Direito Civil. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 221. (Coleção de direito civil, v. 6).
[3] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Direito das Sucessões. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 282. (Coleção de direito civil, v. 6).
[4] Caio Mário da Silva Pereira diz que o formal de partilha contém “o termo de inventariante e o título de herdeiros; a avaliação dos bens; o pagamento do quinhão hereditário com a descrição dos bens, a meação das confrontações, a consignação das servidões ativas e passivas, tudo, enfim, que seja de molde a produzir a inteira individuação das coisas; a certidão de pagamento dos impostos; e a sentença final com a referência ao seu trânsito em julgado”. Cf. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 222. (Coleção de direito civil, v. 6).
[5] O fato gerador do ITCD foi abordado no capítulo 03, supra. A tributação sobre a renúncia da herança em favor de pessoa determinada (renúncia translativa) será estudada no capítulo seguinte.
[6] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula nº 112. O Imposto de TransmissãoCausa Mortis é devido pela alíquota vigente ao tempo da abertura da sucessão. Disponível em:
[7] Lei 7850/2002 regulamentada pelo decreto 2301/2009, artigo 25.
[8] O imposto sobre transmissão entre vivos de bens imóveis e dos direitos a eles inerentes tem como fato gerador “a transmissão, inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou por acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como a cessão de direitos à sua aquisição”. Cf. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 20. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 11.
[9] ARTIGO 5, DA LEI 2663/1989 que regula o ITBI no município de Cuiabá.
[10] Lei 2663/1989, art. 8º, alínea c. Regulamenta o Imposto sobre TransmissãoInter Vivos de Bens Imóveis por Natureza ou Acessão Física e de Direitos Reais sobre Imóveis - ITBI Disponível em:
[11] A respeito, conferir Maria Helena Diniz: “A herança é um valor patrimonial, mesmo que os bens que a constituam ainda não estejam individualizados na quota do herdeiro; daí a possibilidade de sua transmissão por ato inter vivos, independentemente de estar concluído o inventário” (DINIZ, Maria Helena. Cursode Direito Civil. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 74, Coleção de direito civil, v. 6).
[12] OLIVEIRA, Euclides Benedito de; AMORIM, Sebastião Luiz. Inventários e partilhas: direitos das sucessões. São Paulo: Livraria e Editora Universitária de Direito, 2003, p. 415.
[13] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 14. (Coleção de direito civil, v. 6).
[14] OLIVEIRA, Euclides Benedito de; AMORIM, Sebastião Luiz. Inventários e partilhas: direitos das sucessões. São Paulo: Livraria e Editora Universitária de Direito, 2003, p. 417.

terça-feira, 22 de março de 2011

Dirigir na BR 101 é atividade de risco.

Notícias do Tribunal Superior do Trabalho

22/03/2011
Para Terceira Turma, dirigir na BR-101 é atividade de risco

Trafegar diariamente como motorista profissional pela BR-101 - uma das mais perigosas estradas do país, que vai do Rio Grande do Norte ao Rio Grande do Sul margeando a costa brasileira - é uma atividade de risco. Com esse entendimento, a Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho condenou a Zero Hora Editora Jornalística S.A. a pagar indenização de R$ 120 mil à viúva e às filhas menores de idade de um trabalhador vítima de um acidente automobilístico causado por outro motorista.

Para a Terceira Turma, a atividade de risco exercida por esse motorista autoriza a aplicação da responsabilidade civil objetiva à empregadora, não sendo necessário, assim, comprovar a culpa da empresa pelo desastre, considerado como acidente de trabalho. O relator do recurso de revista, ministro Alberto Bresciani, ressaltou a grande probabilidade de ocorrer esse tipo de acidente no caso desse motorista, por sua exposição constante ao perigo.

Segundo o ministro, os motoristas profissionais “enfrentam, cotidianamente, grandes riscos com a falta de estrutura da malha rodoviária brasileira”. Nesse contexto, entendeu ser devido o enquadramento da atividade de motorista de viagem como de risco, o que autoriza o deferimento das indenizações pleiteadas pela viúva.

O acidente ocorreu em agosto de 2005, quando o motorista, de 39 anos, começava mais uma viagem pela BR-101 em Santa Catarina, para levar jornais às regiões de destino. Às 2h50 da madrugada, perto de Imbituba (SC), o Fiat Fiorino que dirigia foi atingido por um Vectra que invadiu sua pista em sentido contrário.

Na primeira instância, a Zero Hora foi condenada a pagar R$ 120 mil por danos morais à viúva e às filhas do falecido, em igual proporção. Estipulou-se, ainda, pensão mensal, correspondente ao salário do empregado, inclusive 13º salário, cabendo 50% para a viúva e 50% para as filhas, até a data em que ele completasse 65 anos. A cota devida às filhas deveria ser paga até que elas completassem 25 anos, quando seria acrescida à cota da mãe.

A empresa recorreu ao Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (SC), que excluiu da condenação a indenização e a pensão mensal por entender que a empregadora não teve culpa no acidente, que teria sido uma fatalidade. O TRT aplicou, assim, a teoria da responsabilidade civil subjetiva, na qual a culpa da empresa precisa ser comprovada para que ela seja responsabilizada.

Ao examinar o recurso de revista da viúva, porém, a Terceira Turma do TST restabeleceu a sentença, aplicando a teoria da responsabilidade objetiva, com base no artigo 927, parágrafo único, do Código Civil de 2002, que estabelece a obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, quando a atividade desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outros. Segundo o ministro Bresciani, a atividade exercida pelo empregado, submetia-o, diariamente, a um grau muito elevado de fatores de risco, superiores àqueles a que está sujeito o homem médio. A decisão da Turma foi por maioria, ficando vencido o ministro Horácio de Senna Pires.
(Lourdes Tavares)

Processo: RR - 148100-16.2009.5.12.0035


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quinta-feira, 3 de março de 2011

Empregado pode cobrar empresa por contratação de advogado para ação trabalhista

Para a empresa, a indenização por danos materiais decorrente da contratação de representante pelo empregado seria incabível, uma vez que não seria preciso advogado para postulação de direitos na Justiça Trabalhista. A empresa alegou também que não poderia arcar com a indenização pelo simples exercício de seu direito de defesa contra o autor da ação. Além disso, o acordo homologado teria dado a ela “ampla e irrestrita” quitação.
Reparação integral
A ministra Nancy Andrighi considerou, no entanto, que a indenização pelos honorários contratuais compõe a reparação integral do dano. Segundo a relatora, o Código Civil (CC) determina de forma expressa que esses honorários integram os valores devidos por reparação de perdas e danos.
“Como os honorários contratuais são retirados do patrimônio do lesado, para que haja reparação integral do dano sofrido o pagamento dos honorários advocatícios previsto na Lei Civil só pode ser o dos contratuais”, explicou, referindo-se aos artigos 389, 395 e 404 do CC.
A ministra ressalvou que o valor cobrado pelo advogado não pode ser abusivo. Caso considere exorbitantes os honorários contratuais, o juiz pode analisar as peculiaridades do caso e arbitrar outro valor, usando como parâmetro a tabela da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Ela também destacou que tais dispositivos do CC podem ser aplicados de forma subsidiária aos contratos trabalhistas, conforme previsão da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Direito de defesa
Ainda segundo a ministra, a opção dada ao trabalhador de não usar advogados para buscar direitos trabalhistas não isenta a empresa da responsabilidade pelos danos decorrentes da necessidade de recorrer à Justiça para ter reconhecido seus direitos. A relatora afirmou que essa faculdade está compreendida no direito de acesso à Justiça
“Nessa dimensão, assume especial relevância a função do advogado no processo como fator de concretização do acesso à Justiça, na medida em que, utilizando os seus conhecimentos jurídicos, otimiza a participação do seu cliente no processo de convencimento do magistrado”, completou.
A ministra afirmou que a parte forçada a recorrer ao Judiciário não pode ter prejuízos decorrentes do processo. “Aquele que deu causa ao ajuizamento da reclamação trabalhista deverá arcar com os honorários contratuais, de modo que o vencedor não suporte o dano sofrido pelo inadimplemento da obrigação trabalhista”, defendeu.
Resp1027797
Fonte: STJ e http://veredictum.adv.br/blog/2011/03/03/empregado-pode-cobrar-empresa-por-contratacao-de-advogado-para-acao-trabalhista/?utm_source=Veredictum+Not%C3%ADcias+Jur%C3%ADdicas&utm_medium=Veredictum+NJ&utm_campaign=Feed%3A+veredictum+%28Veredictum+-+Not%C3%ADcias+Jur%C3%ADdicas%29&utm_content=Twitter&utm_term=not%C3%ADcias+jur%C3%ADdicas

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Clube recreativo tem responsabilidade civil subjetiva


Da relação entre clube e associado podem decorrer várias situações que desafiam a interpretação do jurista. O presente artigo tem o escopo de analisar qual a natureza jurídica da responsabilidade civil que nasce dessa relação – subjetiva ou objetiva – e, em decorrência, se são aplicáveis os ditames do Código de Defesa do Consumidor.
Maria Helena Diniz define a responsabilidade civil como “a aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar o dano moral ou patrimonial causado a terceiro em razão de ato próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda (responsabilidade subjetiva), ou, ainda, de simples imposição legal (responsabilidade objetiva).” [1]
Assim, é sabido que a responsabilidade subjetiva exige a presença do elemento culpa, ao passo que a objetiva, decorre de lei, independentemente, da existência ou não da culpa. A questão que se enfrenta nesse momento é se o conceito de fornecedor apresentado no artigo 3º do CDC se estende aos clubes recreativos, e, via de consequência, se a responsabilidade civil decorrente é objetiva. Dispõe o mencionado dispositivo legal:
Art. 3º. Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
Ainda que os clubes, em regra, sejam associações, as quais têm caráter de ente despersonalizado, para que se caracterize como fornecedor/prestador de serviço nos termos do CDC, deve ser levado em conta o seu fim social. No caso dos clubes, sua atividade não se enquadra em nenhuma daquelas previstas no artigo supracolacionado, o que por si só já resolveria a questão.
A diferença existente entre clube e empresa com qualidade de fornecedor/prestador de serviço é que, no primeiro, em decorrência de sua natureza, as decisões são tomadas pelos próprios associados, ao passo que, nas demais, são tomadas exclusivamente pelos proprietários/sócios da empresa sem que o interessado possa intervir de qualquer maneira.
Assim, considerando que são os próprios associados dos clubes que deliberam acerca de seus destinos, não se pode dizer que eventual serviço prestado seja caracterizado como relação de consumo. José Geraldo Brito Filomeno, a respeito do assunto, ensina que “quem delibera sobre seus destinos são os próprios interessados, não se podendo dizer que eventuais serviços prestados pelos seus empregados, funcionários ou diretores, síndico e demais dirigentes comunitários, sejam enquadráveis no rótulo 'fornecedores', conforme nomenclatura do Código de Defesa do Consumidor.” [2]
Logo, como a questão não deve ser analisada segundo a ótica do Código de Defesa do Consumidor, mas sim, do Código Civil, isso implica dizer que a responsabilidade será sempre subjetiva e, não, objetiva.
Os eventos ocorridos nas dependências dos clubes recreativos devem ser solucionados de acordo com o que foi ajustado pelos próprios associados, que devem se submeter ao que restou decidido em assembleia ou, pelo conselho deliberativo, para todos os fins. Esse entendimento restou pacificado perante o Superior Tribunal de Justiça:
A hipótese não é de ser assimilada a outras, em que este Tribunal tem reconhecido a responsabilidade de quem propicia estacionamento, consagrado esse entendimento na súmula 130. Ali se cuida das relações de empresas com seus clientes. Teve-se em conta o proveito econômico que aqueles obtêm, na medida em que ensejam possam os veículos ser estacionados em lugares que ofereçam comodidade para a clientela, pois com isso visam exatamente a aumentá-la. E não há um acordo de vontades entre a empresa e seus clientes de que resulte a exclusão da responsabilidade. Na hipótese em exame, os sócios acordaram em que mais convinha ao interesse de todos que a comunidade não se responsabilizasse pelo pagamento dos questionados danos. Não há nisso ofensa a qualquer norma jurídica, cuja observância seja inarredável, nem a algum princípio ético. Há de prevalecer a disposição interna, fruto da vontade da maioria dos associados. (Resp 86.137/SP, Min. Eduardo Ribeiro, 3ª Turma)
Na omissão do regulamento interno do clube, a questão deverá ser enfrentada pela ótica do Código Civil com a aplicação da responsabilidade subjetiva. Isso significa dizer que para o clube ser responsabilizado deverá o associado demonstrar a existência da culpa do agente na prática do ato ilícito nos termos do art. 186 do citado codex: “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
Demonstrada a existência do ato ilícito culposo, dano e nexo de causalidade, caracterizada estará a obrigação de indenizar. Sendo que, quanto ao ônus da prova, deve ser observada a regra do artigo 333, I do Código de Processo Civil.
Assim, diante de tais considerações, conclui-se que as relações entre clube e associado devem ser regidas pelas deliberações da assembleia, bem como, pelas regras do Código Civil Brasileiro, sendo aplicada a responsabilidade subjetiva.

FONTE: http://www.conjur.com.br/2011-fev-09/clube-recreativo-responsabilidade-civil-subjetiva-associado?utm_source=twitterfeed&utm_medium=twitter


[1] Curso de direito civil brasileiro, v. 7: responsabilidade civil. 19ª ed. p. 40. São Paulo: Saraiva, 2005.
[2] Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, comentado pelos autores do anteprojeto. 7ª ed., p. 40. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Todas as peças da máquina da Justiça são essenciais


 
Pode ser que alguém entenda que advogado é importante porque mencionado na Constituição como essencial à administração da Justiça. Embora seja assim mesmo, não podemos nos esquecer que a Justiça é um enorme conjunto de peças e nós advogados somos apenas uma delas, nem mais nem menos importante que as outras.
Em entrevista, Eros Roberto Grau, então ministro do Supremo Tribunal Federal, fez questão de afirmar: “Meu ofício não é mais importante que o do jardineiro ou daquele que cuida da saúde das pessoas” (Estado de S.Paulo, 27/8/2007, pág. A8).
O princípio da isonomia é cláusula pétrea da Constituição e a Lei 8.906 estabelece que não há hierarquia ou subordinação entre advogados, juízes e outros operadores do Direito, devendo prevalecer respeito recíproco entre todos. Com isso, parece sem sentido ocupar-se o Judiciário com a disposição de móveis numa sala de audiência, onde o juiz resolveu que a posição de mesas e cadeiras deveria ser modificada. Presume-se que um juiz seja a autoridade maior na sala onde exerce sua função e, assim, possa determinar como ali se coloca a mobília.
Alguém que se localize alguns centímetros acima das outras pessoas e, por isso, imagina-se mais importante, deve procurar ajuda psiquiátrica. Exigir esta ou aquela posição de cadeiras ou nível de mesas com base em “secular tradição” é algo que não faz sentido neste século. Se tradições seculares tivessem de ser levadas a sério, alguns desejariam restaurar a escravidão, enquanto outros ainda sonhassem em ser chamados de condes, duques e barões. Enfim, é uma sucessão de coisas ridículas que melhor seriam examinadas num barracão de escola de samba.
Juízes são muito importantes, sem dúvida, mas apenas como decorrência da função que exercem. Ninguém é juiz porque é importante. Mas é importante porque é juiz. O que importa é a função, não a pessoa. Se aquele que ao assumir uma função pensar que por isso, de repente, foi transformado num ser superior, mais cedo ou mais tarde vai descobrir que está errado. A descoberta, não raras vezes, ocorre de forma traumática, cansando dor e sofrimento ao suposto ser superior.
Nós advogados também nos vemos às voltas com problemas parecidos. Um deles é essa besteira de sermos tratados de doutor. Eis aí mais uma secular tradição que não tem importância alguma. Ainda que o advogado tenha obtido o título acadêmico numa respeitável universidade, o tenha comprado de um falsário ou de uma fábrica de doutores localizada num país qualquer onde picaretas desempregados só não estão vendendo a mãe porque ela já morreu, esse título só interessa na academia.
Doutor e mestre são títulos acadêmicos importantes para a vida acadêmica, para arranjar emprego na universidade, para dirigir escolas, mas na advocacia o que interessa é o advogado resolver o problema do cliente. Punto e basta. Hoje em dia ser chamado de doutor não significa nada, não altera nada. Basta o indivíduo colocar terno e gravata e se transforma em doutor. Isso não faz sentido. Dizem que gravata é invenção dos soldados da Croácia. Deve ser mesmo, pois se trata de uma coisa inútil e sabemos que soldados quando não tem o que fazer inventam besteiras. Afinal, para que serve uma gravata, além de nos incomodar no verão? Somos mais importantes ou respeitáveis se não a usarmos? Chega de gravata e basta de doutor.
Mas tem coisa pior! Nas reuniões do conselho da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo (OAB-SP), costuma-se adotar tratamento medieval. Quando eu estava lá, achava engraçado o tratamento de excelência, o que não tinha grandes problemas, até porque alguns conselheiros eram mesmo excelentes. Mas quando me chamaram de nobre conselheiro eu não gostei nem um pouco. Pelo que estudei de história sei há muito tempo que os nobres quase sempre foram e são bandidos, não só no Brasil, mas em todos os lugares. Nobres são e eram parasitas, vagabundos, ladrões, enfim, maus elementos. Os conselheiros quando usavam (e parece que ainda usam) tal tratamento em suas sessões ou estão fazendo uma grande brincadeira ou uma grande ofensa coletiva. A menos, é claro, que todos já tenham se esquecido das aulas de história.
A atividade do advogado é diretamente ligada aos demais operadores do Direito e aos servidores públicos. Vai daí que precisamos ter muita cautela para, como peças de uma grande máquina, não atrapalhar o sistema, não bloquear os movimentos, não criar problemas desnecessários. Uma coisa é certa: advogados foram criados para resolver e não para criar problemas.
Discutem-se com certa frequência problemas que surgem nesse relacionamento entre os diferentes operadores do Direito. Uma juíza em determinada sentença afirmou que o policial é um ser humano. Pois os juízes também são, ainda que nas maldosas anedotas (talvez feitas por advogados) afirma-se que parte deles pensa que são deuses e a outra parte disso tenha certeza.
O trabalho do juiz é sem dúvida estressante. E antes que alguém reclame, registro que também é estressante o dos policiais, dos servidores públicos, enfim, de todas as pessoas que exercem com seriedade e dignidade as suas funções. Claro que onde a remuneração não for adequada o problema é mais grave.
Não podemos alimentar a insana fantasia de desinformados que imaginam possa o advogado ser um mágico, um milagreiro ou mesmo um traficante de prestígio. Advogados são profissionais que defendem os direitos de seus clientes e normalmente esses direitos contrariam outros, igualmente defendidos por profissionais que se esforçam no sentido contrário. Por isso mesmo nenhum advogado pode garantir coisa alguma, a não ser observar a lei, cumprir prazos, promover diligências, preparar recursos, etc.
Assim, ao contrário do que muitos colegas sustentam, creio que melhor procedemos quando conseguimos evitar contatos verbais com o juiz. As palavras voam, mas a escrita permanece. Os chamados “embargos auriculares” servem apenas para incomodar o juiz, interrompendo o seu trabalho e quase sempre criam entre o advogado e o magistrado um clima de mútua desconfiança e mesmo de hostilidade. Em vez de melhorar o andamento do feito, acaba prejudicando.
Disse-me um juiz certa vez que se sentia isolado, pois os relacionamentos que conseguia estabelecer na comarca eram raros e difíceis, não se sentia bem nos eventos sociais para os quais era convidado e mesmo quando à noite dava aula numa faculdade percebia que era tratado sempre como se estivesse de toga, aquela capa preta esquisita que alguns usam até nas audiências.
Pois é a tal maldita tradição secular. Não vem ao caso agora saber quem foi o inventor daquela capa. Aliás, um dia dei boas gargalhadas quando vi um advogado vestindo uma belíssima capa preta, ornamentada com babados e rendas, posando diante de uma estante repleta de livros encadernados, tudo no seu escritório para ilustrar reportagem de uma revista que o considerava uma estrela da profissão.
Os juízes são humanos. Devemos ter isso em conta e respeitar suas limitações. Seres humanos não são tão importantes quanto se imaginam e isso a vida nos ensina a cada dia. Certa ocasião, numa livraria, descontente com afirmação que fiz num artigo onde critiquei o estrelismo de alguns colegas seus, um membro do Ministério Público disse que realmente sua categoria era composta de muitas estrelas, enquanto eu pertencia apenas ao grupo dos planetas. Achei a conversa muito divertida e informei a ele que a astronomia registra que estrelas servem apenas para explodir e brilhar durante certo tempo, enquanto vida inteligente só é possível nos planetas e parece que não em todos.
Pois é isso: com toga ou beca, sem beca ou sem toga, nós não somos estrelas. Somos essenciais, sim, mas apenas peças de uma grande máquina. E essa máquina chamada Justiça jamais funcionará bem enquanto as peças não funcionarem em harmonia.
Os policiais também são gente da Justiça. Embora sejam servidores do Poder Executivo, suas funções são absolutamente necessárias ao funcionamento da máquina judicial, pois o artigo 144 da Constituição regula as Polícias, no capítulo da Segurança Pública, como instrumentos para apuração de infrações penais e outras atividades complementares, necessárias à consecução da Justiça.
Parece-nos que muita gente ainda pensa a Polícia como se estivéssemos na Idade Média, o que não acontece só no Brasil. Governantes medíocres desde sempre viram a Polícia como um instrumento de intimidação dos seus desafetos, meio de repressão contra manifestações políticas ou até coisas piores. Esse quadro era possível, mas já está mudando. Na época das tais tradições seculares, o mandachuva de plantão chamava o chefe de Polícia local e lhe ditava as ordens que bem entendesse e estas eram cumpridas sem discussão.
Mas o mundo mudou, pessoal. Estamos na era da internet, das viaturas com câmaras de vídeo, dos celulares que fotografam e transmitem a foto no ato, enfim, quem está preso na Idade Média pode se libertar pela tecnologia ao alcance de todos. A privacidade está acabando, a censura já era e todos vamos ser iguais mais cedo ou mais tarde, dependendo só de um pouco de educação.
Nesse contexto, a Polícia assume cada vez mais seu papel de serviço público. É aquela velha história: seu direito vai até onde começa o meu e se você ultrapassar o limite, vai responder por isso. Simples assim.
Claro que sempre haverá problemas, pois se somos humanos, somos falhos. Mas não podemos ficar apontando os erros dos nossos companheiros de jornada, as outras peças dessa grande máquina, como se nós fossemos perfeitos. Em diversas ocasiões que tive contato com policiais, sempre fui bem tratado e nunca me sugeriram, propuseram ou mesmo insinuaram qualquer coisa fora da lei. Mas já vi um moleque engravatado (talvez advogado) tratar com grosseria uma escrivã de Polícia. O idiotinha deslumbrado queria ser atendido de imediato e o tempo todo dizia que teria uma reunião muito importante no escritório que, segundo ele, era um dos maiores do país.
Lembrei-me no ato de antiga lição que me deu um advogado de uma cidade do interior, quando eu ainda estava no segundo ano de Direito e fui visitá-lo. Ele me mostrou cópia de uma ação onde uma multinacional processava empresa daquela cidade. A inicial de mais de cem páginas trazia na primeira vasta relação de advogados do grande escritório da capital, integrado por mais de uma centena de profissionais. Eu perguntei a ele como se defenderia em causa tão complexa e ante banca tão portentosa. Ele respondeu: “Se eles tivessem razão, não precisavam escrever tanto. Boiada também tem muitas cabeças, mas todas são de quadrúpedes e muitas têm chifres”. Achei a resposta pretensiosa e grosseira, mas nunca me esqueci dela. E o advogado do interior acabou ganhando a causa.
Por mais complexas e sofisticadas que sejam, as máquinas, às vezes, podem ser destruídas por peças pequenas, aparentemente sem importância, supostamente de pequeno valor, que quase ninguém vê. Dizem que foi um pequeno dispositivo externo, destinado a medir temperatura ou a velocidade, que fez cair aquele avião da Air France, lembram?
Ora, se policiais são seres humanos, os servidores todos também são. Muito embora juízes sejam os titulares da vara e o cartório seja conduzido por um escrivão ou diretor, os demais servidores são peças muito importantes na máquina e merecem respeito, consideração e condições decentes de trabalho.
Por isso mesmo é triste, ridículo e fatal que um advogado ou mesmo um estagiário tente fazer seu trabalho sem dar ao servidor público o respeito que lhe é devido. Eis aí o grande quesito: respeito. Quem vai a uma repartição e se comporta de forma arrogante, imaginando-se superior ao servidor que o atende, não só revela mau caráter mas burrice.
Mesmo aquele advogado que se julgue uma grande estrela da profissão vai ver seu trabalho prejudicado quando se dirigir de forma grosseira e prepotente a qualquer pessoa, seja o escrevente, o investigador, o porteiro, o contínuo ou o faxineiro da repartição.
Por tudo isso, soam ridículas as referências a tradições seculares, nobres conselheiros, meritíssimas excelências, professores mestres e doutores e outras papagaiadas idiotas que pretendam criar a fantasia de que entre os operadores do Direito existem pessoas mais importantes que as outras.
Nós todos, advogados consagrados ou anônimos; juízes que nos olham de cima de tablados; promotores que figuram nas colunas sociais; mestres e doutores que encantam aprendizes nas academias; policiais que se imaginam heróis de filme americano; no final das contas somos todos essenciais. Mas apenas peças da grande máquina da Justiça. A máquina é importante, as peças nem tanto.
Anuário da Justiça São Paulo 2010: a mais completa radiografia do Judiciário Paulista

FONTE:  http://www.conjur.com.br/2011-jan-24/nao-hierarquia-ou-subordinacao-entre-profissionais-justica